Texto escrito durante o solo de Hernâni Faustino no Desterro | 18.02.2020
Olhos claros, cabelo grisalho e sorriso fácil.
É assim que ela o vê.
Agora no lugar das laranjeiras apenas paredes. Paredes escritas de forma rude num espaço de ar abafado. As árvores ficam na memória.
Sozinho, de olhos baixos enquanto as mãos deslizam pelo corpo do contrabaixo.
Ela, curiosa como sempre, gostava de saber o que ele pensa, que história lhe passa pela cabeça e que traduz em sons.
Sentada na fila da frente não consegue controlar as palavras que jorram a uma velocidade estonteante na sua cabeça.
Ele não levanta uma única vez a cabeça. Mantém-se focado.
Eram três. Agora apenas um.
Com o rosto iluminado de fugida e respiração controlada.
Começa devagar, constrói um imaginário e deixa-se levar.
E com ele é fácil deixarmo-nos levar entre momentos intensos.
Confusa. Que história lhe estará a passar pela cabeça?
Segue o fio condutor.
Olha em redor e os rostos estão fixos nele. Os olhos percorrem as mãos, o arco.
Se aquelas paredes soubessem o que lhes passa pela cabeça.
Olhos claros e sorriso fácil, mas indecifrável.
Mantém a cadência de olhos postos nas mãos.
Mãos possantes que percorrem aquele corpo de forma exímia.
Silêncio absoluto para ouvir o ressoar.
É tarde mas ela podia ficar naquela fila da frente a ouvir aquela história até de manhã.
A luz do telefone incomoda quem está ao seu lado.
Foca a sua atenção nas mãos dele. A história começa a ganhar forma e intensidade. Pode não ser uma história de amor mas soa como tal. Com altos e baixos, ilusões e desilusões.
E o arco faz com que tudo se torne mais intenso, mais marcado.
A história que estava a contar acabou e possivelmente este é um daqueles textos que não terá um fim.
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