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The Attic | "Matilde" (texto escrito durante o concerto)



Fotografia de Nuno Martins. Podem visitar o trabalho do Nuno aqui.


Escrevi este texto no dia 08 de janeiro de 2020 durante o concerto dos The Attic, na SMUP. Só hoje o publico (não o editei, está exatamente como o escrevi há mais de 1 ano).


1º tema da noite | 1º texto


Corpo. Mente.

O corpo. A mente.

O corpo e a mente.

Corpo. Mente

O corpo mente.

Mente. Corpo.

A mente do corpo.

O corpo mente.

Ela sabe-o.

Entre pequenos laivos de lucidez quando todos se calam. O corpo mente.

Ela pousou o corpo sobre a tela. Peito despido. Completamente nu. O corpo mente.

Porra! Se mente.

O caos instalou-se na sua mente, o corpo relaxou.

Os seios nus pousaram na tela. Os mamilos hirtos.

Enquanto estava deitada ele surgiu no quarto. Ela esboçou um sorriso. Um leve sorriso.


ㅡ Estás pronta?

Ela não o ouviu. O caos era demasiado na sua mente.

O corpo, esse… Mentia. O corpo mente.

Porra, se o corpo mente.

Respirava a dois tempos, pensava numa mistura impressionante de compassos.

Não havia um único momento em que ela não soubesse o que aí vinha.


Saiu.


E em passo moderado fugiu entre silvas e espinhos, rosas e malmequeres.

Acelerou o passo.

Respirou fundo.

Acelerou novamente o passo. Não havia um único momento de paz. De silêncio.


E o corpo?

Ui, o corpo!

O corpo estava tenso, verdadeiramente tenso.

A mente desacelerava a cada passo, a cada espinho no pé, a cada arranhão das silvas nos

braços.

Matilde. Sim, era esse o nome.


ㅡ Matilde volta. - Sussurra-lhe uma voz ao ouvido.

ㅡ Matilde corre.


Deitou-se.

No seu corpo descontraído ressoavam cordas.

Agressivo.

Frio.

Subtil.

O corpo. A mente.

O corpo reage à mente Matilde.

Chorou. Ao de leve.

Refilou.

Gritou.

Fez-se ouvir.


Ai Matilde essa mente.

A angústia não desaparecia.

O corpo mente Matilde.

Levantou-se. Correu.

Correu como se as pernas ainda mexessem.

Oh, Matilde. Corre Matilde.

Corre. Refila. Grita.

O corpo mente-te.

A dormência é real.

O corpo mente. A mente, não.


Volta Matilde.

Corre Matilde.

Grita Matilde.

Cala-te Matilde.

Porra Matilde.


MA-TIL-DE!


Acorda Matilde.

Abriu os olhos. O teto era branco. O corropio infernal.

Acorda Matilde.

Olha a morfina Matilde.


GRITA!

DIZ!

FALA!

SENTE!


Ai essas pernas Matilde.

Que dormência.

O corpo mente.


ㅡ 3 da manhã. Percebes o que está a acontecer?


Ele tenta que ela perceba que os espinhos são dormências e que as silvas são dores.

Mas que merda Matilde. Dança lá!

Ela está um caco.

São três da manhã e as pernas já não têm vida há tantas horas.

O corpo mente.

Não dói.

A mente. Dormente.

Respira.

Espera.

Compassadamente recompõe-te.

Cinco da manhã e na cama de hospital percebeu.


O corpo mentiu. Mentiu muito.

O suportável era agora insuportável de digerir. O estômago revoltava-se de raiva. Afinal as

pernas davam sinal. Sinal de que havia acabado.

Tanto as sentia (o corpo mente) como as perdia.

Perder.

A Matilde perdeu.



2º tema da noite | 2º texto


As mãos deslizaram pelas costas. Depois. Só um pouco depois.

Suavemente pelo ventre, num corpo esbelto, delineado pela luz ténue e perdida da lareira.


Entre respirações ofegantes, as mãos deslizaram pelas pernas.

Longas.

Suaves.


Juntaram-se os troncos quentes e suados. Na lareira ardiam pequenos troncos de cerejeira.

A noite era fria.

Os corpos eram quentes.

Entregues, outrora, às mão erradas. Mãos que não deslizavam suavemente.


Agora. Os dois. Sem uma única palavra, improvisavam entre bocas e mãos.

ㅡ Olá.

ㅡ Obrigada.

ㅡ Tudo bem?


Foi assim que se conheceram. Entre um “olá” e um “tudo bem?” surgiu uma lareira numa

sala quente numa noite fria.


De fundo as notas graves do desejo. Mais à flor da pele a paixão de se possuírem.

Pouca conversa. Um copo. Dois copos. Um copo partido. Dois copos vazios.

No calor dos copos, no frio da noite.


Embalavam-se mutuamente entre promessas, ilusões, desilusões, conversas intensas,

outras vezes mudas.


ㅡ Deixa fluir.

ㅡ Sim, deixo.


Era apenas isto.

Deixar fluir.

Num ápice põe-se de pé. Sim, ele pôs-se de pé.

Ela espantada recuou.


ㅡ Vais sair?

ㅡ Não, vou entrar.


Fingiu que não percebeu. De fundo o som grave da paixão. Na pele o calor do desejo.

Cada vez mais ritmados, cada vez mais calados, cada vez mais ofegantes.


ㅡ Vens?

ㅡ Vamos!

ㅡ Agora?


Caminhavam os dois. Entre um tesão latejante e um clímax quase a chegar.

O ritmo aumentada. Gemiam.

Estavam quase lá. Quase, quase lá!


ㅡ VENS?

ㅡ VAMOS!


Ela soltou um ligeiro grito. Ele começou a falar. Divagava.


ㅡ VENS? VENS?

ㅡ Vou! AGORA! VAMOS?


Começavam a ficar desesperados. Cada vez mais depressa. Cada vez mais agressivo.

Já nenhum queria saber onde iam.

Só queriam chegar.


ㅡ QUASE!

ㅡ Espera! Espera por mim!


Ele tentava esperar. Prestes a rebentar.

Ela gritou! Ele chegou!


ㅡ VENS!

ㅡ FOMOS! FOMOS!


Desaceleraram.

Chegaram.



Margarida Azevedo

08.01.2020

Escrito durante o concerto dos The Attic na SMUP.

Rodrigo Amado tenor saxophone Gonçalo Almeida doublebass Onno Govaert drums


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