Podem ouvir aqui.
Cabrita é doce, é quente, é swing e groove. Sim, Cabrita é isso tudo! E para as mentes que divagaram informo que me refiro ao disco. Quanto ao João irei ficar a saber mais, dia 7 de novembro, em direto no Covidarte.
Entramos em Whatever Blues com o João e o Gui (Xutos e Pontapés) num groove daqueles que nos faz mexer as ancas compulsivamente até aos três minutos e vinte e três segundos em que da anca passamos a abanar a cabeça e voltamos rapidamente ao swing, à sensação de quão sexy uma música pode ser. É impossível não mordiscar o lábio.
Ivo Costa (colabora com Cais Sodré Funk Connection) entra em Snake Eyes para dar continuidade à onda. Que bem que se entra neste disco. É daqueles que te faz querer entrar já num spot e ver Cabrita ao vivo.
E sabes que passaste para a malha Afronauts Lament quando o piano do João Gomes (Orelha Negra) marca presença. É inconfundível. E só David Pessoa (Cais Sodré Funk Connection) e Hélio Morais (PAUS e Linda Martini) podiam entrar neste tema. Faz sentido, flui e a linguagem é a mesma. Já dizia o Rui Veloso que “não se ama alguém que não ouve a mesma canção”. Esta teoria deve ser aplicável à química de quem se une para criar. Afronauts Lament tem um lado mais cósmico, que a mim me leva, por incrível que pareça, até Daft Punk. Em Caravan com Legendary Tigerman percebe-se bem como o Cabrita e o Furtado se entendem e deixam fluir. Estamos quase a meio do disco e ainda não parámos de gingar.
“Quem diz a verdade não merece castigo” por isso aqui vai: Dancing with Bullets com o Tó Trips é a minha malha de eleição. Aquele ambiente boémio que tão bem me enche o ouvido. Ora que a melodia quente do saxofone se alia à inconfundível guitarra do Tó Trips com um toque à Tarantino e Coltrane à mistura.
Desesperado com Sandra Baptista e João Marques (Sitiados) é um tema guiado pela batida constante e enternecedora. É uma malha com um crescendo de intensidade. Crescemos com o passar dos segundos. É daquelas que faz o Aguardela sorrir lá de cima com este encontro entre excelentes músicos. Pelo que tenho acompanhado do Cabrita: acredito que guarda boas memórias do tempo dos Sitiados e esta malha é um reencontro muito bem conseguido. Segue-se SOS. Cabrita apazigua-nos e deixa-nos contemplar o que faz sozinho.
Cada convidado traz a sua vibe o que torna cada malha um cruzamento de universos que se complementam. Cabrita traz até este disco a sua incontornável presença no circuito musical português.
Continuo para We Andrea com Selma Uamusse e Sam The Kid. Selma disse ao Diário de Notícias a 11 de agosto deste ano, sobre o confinamento e a sua primeira live online: “Pensei em deixar a música e voltar a ser engenheira”. Ora que o confinamento nos fez pensar muita coisa, mas artistas como a Selma têm um power daqueles. E mais à frente neste texto vamos ver como a quarentena foi bem aproveitada pelo Cabrita. Tenho um respeito muito grande pelo Sam. Entrevistei-o no Sudoeste há alguns anos e, desde aí, que vejo o trabalho dele de forma complexa, elaborada com um conhecimento aprofundado, um homem muito inteligente e um artista de referência. Cabrita, Selma e Sam são um trio bem esgalhado.
Milton Gulli (Cacique 97) entra em Farai com muito funk e reggae alarga o espectro do disco. Mostra-nos os vários universos onde Cabrita se move há tantos anos.
Para fechar o disco temos Never Gonna Give It Up. Terminamos em êxtase. Um disco que nos leva na viagem pelas experiências e influências do João Cabrita. As viagens do seu saxofone em 10 malhas que refletem o seu percurso: Sitiados, Cacique 97, Cool Hipnoise, Cais Sodré Funk Connection, Legendary Tigerman. São 30 anos destas andanças que culminam com Cabrita.
Sim, quero o vinyl. E porquê? Porque além de adorar vinyl e este disco ser altamente, essa edição traz um 10” com as Quarantine Sessions! E falemos dessas sessões que podem ouvir aqui.
Passemos a este disco. A quarentena do João Cabrita foi uma animação. E daí resultou este disco. Ora se há vizinhos que se queixam do barulho que os músicos fazem em isolamento, outros devem sentir-se uns sortudos. Se estas sessões resultam do seu isolamento, não me importava de viver no mesmo prédio que ele. No meu prédio, o mais perto que tenho de artista é o meu vizinho de cima que no auge da sua loucura passa o tempo a gritar com a mãe. Se o fizesse ritmadamente ainda o gravava e samplava, que até no meio da gritaria podemos criar música. É só deixar o ouvido disponível e dar asas à criatividade.
Mas vamos ao que interessa. Da primeira à terceira malha viajo, mas é em Little Big Apple que me apetece dar um passinho de dança pelos anos 20 com um colar de pérolas e uma pena na cabeça. João, diz-me como durante a quarentena a tua vibe foi tão bem disposta? Consigo imaginar o caos Covid lá fora e o Cabrita confortavelmente a gravar malha bem disposta, que nos leva para salões de dança e cigarrilhas. E isso é bom!
Isolation Blues é o continuar da sua história. Ora se por um lado o país fechava, Cabrita abria-nos a sua porta de casa. Como? Neste disco. E que casa tão bem composta.
Fado Cansado ao Amanhecer leva-me até Dead Combo e o encanto que o fado traz, naturalmente, aos nossos ouvidos. Malha que contrasta com todo o disco. Aqui ficamos melancólicos, saudosistas, como só o fado nos faz sentir.
Oiço Marchinha de Santo André e Sunset Delight, mas porra (e desculpem-me o termo) é em Animal de Palco que me cai o queixo. A MALHA!!! Para mim, claro! A onda, a voz, o texto! “Eu sou da rua, a rua que agora se tornou a selva em que podes morrer por um espirro… Uma gotícula que te pode encher ou esvaziar o copo da vida… Está aberta a caça ao animal de palco”. Consigo imaginar isto nas mão de um Luxúria Canibal mas SILK (Cais Sodré Funk Connection) tem uma voz que me arrepia. A dição, o timbre, a sensualidade. E o texto? Altamente!
E assim fecho o que ouço: Parabéns Cabrita! E sim, és animal de palco!
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