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Foto do escritorMargarida Azevedo

Não sei o que dizer

Texto escrito em dezembro de 2018 inspirado no disco "Yesterday is Here" de Hamar Trio.

A memória colapsa.

As palavras confundem-se e fundem-se em línguas diferentes. Há uma certa confusão iminente e o medo de que as palavras caiam no esquecimento. Sente-se perdida.

O sol está quase a pôr-se e a sua respiração está ofegante. Os seus pés nus tocam a neve à porta de casa com vista para o lago. Decide sair. Decide correr e tentar apanhar o tempo que teima em querer galopar.

Pé ante pé numa floresta ao anoitecer a sombra de um corpo esbelto e esguio percorre a um ritmo frenético os caminhos trilhados no meio dos arbustos curvados pelo vento. Deitou-se e deixou-se adormecer entre a luz da lua e o suor que lhe escorria pelo peito.

Acordou e regressou a casa. A viagem aos confins da memória avizinhava-se longa e a previsão era dura e difícil de aceitar. O eu seria esquecido aos poucos e o tu, fosse em que língua fosse, seria um dia apagado da memória.

Iria deixar de saber dizer o quanto ele era importante para ela. E ele, numa tentativa frustrada, tentava manter-se vivo na mente frágil e confusa daquela mulher.

No quarto, o pêndulo continuava a sua dança de um lado ao outro, mas a resposta tardava em aparecer.

O tempo! O tempo era o verdadeiro problema…

Ele ligou o metrónomo num andamento lentíssimo, sem palavras, sem saber o que dizer, na esperança que o tempo passasse mais devagar. Ela sorria enquanto passava os dedos pela saia rodada do seu vestido vermelho. Era aquele momento, em que o metrónomo ecoava pela sala branca, que os fazia parar no tempo. Recordar as viagens pela Europa enquanto ele afinava o contrabaixo.

Ela iria esquecê-lo.

A verdade era dura mas o equilíbrio estava presente no momento em que as cordas do contrabaixo ressoavam sem língua e sem memória. Era universal o som que os unia para sempre.

As lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Sentia-se perdido e angustiado.

Enquanto ela sorria inocentemente de olhar perdido, ele continuava a fazer ressoar as cordas ao sabor do metrónomo na esperança que ela nunca esquecesse o contorno do seu rosto e o seu nome.


- Yesterday is here - sussurrou ela entre dentes enquanto ouvia o arco fazer ranger as cordas do contrabaixo.

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