Demoras exatamente 17 segundos desde o início do disco para começares a abanar a cabeça num loop de eletrónicas e guitarra que te agarram com uma força que te faz sentir cada músculo do teu corpo a reagir a estímulos sonoros repetitivos, imersivos e cheios de subtilezas.
Não seria de esperar outro resultado de Telectu. Vítor Rua e Ilda Castro são uma dupla que se complementa na perfeição. E já assim era com Jorge Lima Barreto.
Vítor Rua é o denominador comum entre os Telectu, de há 37 anos, com Jorge Lima Barreto e os Telectu, agora, com Ilda Castro. Belzebu (disco editado originalmente em 1983) é aqui interpretado por Vítor Rua e Ilda Castro num diálogo tão dinâmico e intenso que a determinada altura nos transportamos para o seu universo.
Aos 6 minutos respiras. Deixas que os aplausos te transportem até Londres em 2019, mesmo que por lá não tenhas estado. E lentamente estás num novo Universo. Onde o diálogo se apazigua entre sons vibrantes e aquele drone que está sempre lá para te manter numa determinada sintonia com o que vai decorrendo ao longo do disco.
A guitarra essa… É percetível que está nas mãos e ao serviço do Vítor Rua com a mesma mestria que as eletrónicas estão nos dedos sensíveis da Ilda Castro.
Aos 12 minutos voltas a perceber que não estás na tua sala. Estás numa sala maior que a tua, em todos os sentidos.
O drone regressa para te apaziguar mas o que se segue é uma contração muscular intensa e o batimento cardíaco que volta a acelerar.
Sentado? A sério que alguém ouve este disco sentado?
Sem que tenha uma vontade indescritível de se levantar e fazer da sua sala uma sala de concertos onde, com o resto da malta, estás a usufruir de um concerto ao vivo brutal?
Questiono-me porque em 2019 não estava no Café Oto a ver isto ao vivo!
A mestria dos dois ao longo do disco é indiscutível. O disco é um crescendo. Não há um único momento em que não sintas que vai crescendo, aumentando a intensidade, os pormenores e a coerência.
Sempre que voltas aos aplauso sentes que voltas ao início do disco. Porque aquele drone… Aquele drone faz com que a tua cabeça reinicie a experiência, mas logo a seguir a experiência é nova.
E lá te leva para outro sítio onde os dois se juntam e se mantêm sintetizados, alinhados, e irreversivelmente determinados a que a experiência continue a subir de interesse.
Apuram-te os sentidos a cada minuto. Ouves, voltas a ouvir e os teus sentidos continuam a ser desafiados.
E se pensas que aos 27 minutos acabou, enganas-te. Fazes mais uma vez um reiniciar cerebral e aguardas ansiosamente pelo que aí vem.
E para mim é no minuto 28 que já não me aguento mais sentada nesta sala. Tenho que me levantar, tenho que me mexer, tenho de reagir ao que o corpo me manda fazer e libertar-me.
Em pleno momento de isolamento social este disco consegue que te sintas acompanhado. Fechas os olhos, e na tua sala, colocas este disco a tocar bem alto. Ignoras os vizinhos e uma possível vinda da polícia e curtes como se pudesses estar numa sala a ver Telectu ao vivo com toda a liberdade inerente a isso.
Porque o lugar dos Telectu no panorama musical mundial não deixa margens para dúvidas - virtuosos, escandalosamente provocadores e impactantes.
Se juntarmos a tudo isto uma edição lindíssima e cuidada temos um resultado de nos deixar à espera do próximo.
Um disco que se devora em pouco mais de trinta minutos, mas que fica em nós por tempo indeterminado!
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