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Foto do escritorMargarida Azevedo

ākāśa

Atualizado: 4 de mai. de 2020


 

Podem ouvir aqui.


Em tempos de isolamento podemos à distância criar proximidade. Em tempos de isolamento, com o carregar no botão rec, podemos aproximar-nos de diferentes formas de criação.

Esse carregar no rec entre 4 pessoas originou, após um trabalho de edição e masterização do João Sousa, o álbum ākāśa.

João Sousa lançou o desafio e Hernâni Faustino, Jorge Nuno e José Lencastre juntaram-se para que em quarentena surgisse o disco que não queremos parar de ouvir.

Onze temas que nos preenchem espaço e enchem até à lua cheia.

Conexão - A palavra-chave deste disco. Conectemo-nos ao tempo, ao espaço e por vezes ao confinamento que mais que externo é interno.


ākāśa, título do disco, e primeiro tema, é um início intimista de notas subtis mas intensas que nos levam até à exteriorização de uma voz.

Talvez o meu estado de espírito (confinado e livre em simultâneo) fique claro nesta review. A música criada em isolamento aproxima-nos de pensamentos mais pessoais e de momentos e experiências que nos fazem ter presente a palavra saudade.

A velocidade de processamento entre o meu cérebro e a caneta vai aumentando ao longo do disco.

Se começo apreensiva, rapidamente me solto entre o que ouço e o que escrevo.

E gosto disso.

O tempo atual corre devagar e temos pressa que passe mais rápido. Mas este disco faz com que o tempo corra e faz-nos desejar que o tempo volte a passar mais vagarosamente.


O “espaço” (segundo tema do disco) esse é pequeno hoje em dia. Cem metros quadrados parecem-nos apenas um. Mas o “espaço” neste disco é gigante, amplo e abre-nos os pulmões para respirar sem termos de abrir a janela.

É um “espaço” em que se fecharmos os olhos não imaginamos que os músicos não estão na mesma sala. Próximos uns dos outros.

O “espaço” é um mantra. Algo que nos transcende e nos leva para a tão desejável paz interior em que a meditação e a guitarra acústica se complementam na perfeição.

Um “espaço” interessante de se cohabitar. Se existe equilíbrio entre corpo, mente, música e influências distintas é neste tema.

Do mantra a um pequeno caos vai um “pulinho”. Talvez exatamente o ponto em que muitos de nós se encontram agora. Entre inquietudes e pequenos equilíbrios. Entre ansiedades e momentos de descontração.

Imagino por momentos alguém a andar numa corda entre duas varandas de uma qualquer rua no mundo.

Entre a concentração do equilíbrio e o medo de cair.

Equilíbrio.

Desequilíbrio.

Tudo num espaço de 7 minutos em que do outro lado da corda, na outra varanda, tudo termina de forma linear. As cordas descoordenam os passos, mas o mantra mantém a sanidade.


A sério que não estão juntos na mesma sala? Este disco é a prova que a distância física é muito distinta da distância emocional.


Rapidamente entramos num “quarto crescente” que anula o que o disco nos vinha a trazer. É um “quarto crescente” de momentos em que a mente se descontrola.

Mas é na “lua cheia” que regressamos a momentos em que entre o oriente, o saxofone e a voz se procura amenizar o frenesim de um “quarto crescente”.

Claro que quando a lua míngua em “quarto minguante” talvez o nosso estado emocional nos faça querer acreditar que a seguir podemos abrir a porta e ir ver este novo projeto ao vivo.


Só faltava a “lua nova” para que as cordas do Hernâni fizessem ressoar o que de intenso ele traz a cada tema. Porque se neste disco tanto nos podemos sentir, efetivamente isolados, também nos podemos sentir sistematicamente a saltar da janela e viajar. Entre dias mais cinzentos, dias mais ensolarados.

Podemos sentir-nos numa esplanada em Lisboa e até no meio de uma multidão algures na Índia.

A música tem destas coisas.


Volto à minha sala. Ao meu papel e caneta. “Falta um passo” e cabe-nos a nós escolher qual. A mim “falta um passo” leva-me para o faltar um passo para me conseguir equilibrar. Para equilibrar emoções com realidades. Lá estão as cordas.

“Falta um passo” reflete 4 músicos numa sintonia perfeita, ritmada, demarcada - passo a passo.


Voltamos aos cem metros quadrados que parecem um em “lack of space”. Que esquizofrenia que podemos ouvir nas nossas cabeças ou na casa ao lado. Pode durar trinta e quatro segundos mas não há um dia em que um de nós não sinta emocionalmente isto: “lack of space”.


Respiremos então. Um sopro. Em “interspace” nada mais é preciso acrescentar. É deixar que o som nos entre pelos ouvidos e o escutemos com atenção. É o reencontro dos quatro.

Serena e pacificamente.

“Clouds and oceans” - o que dizer? Entre algumas nuvens e um mar, por vezes, tempestuoso vamos caminhando até eliminarmos por completo que este disco foi gravado em quarentena.


Quando ouves o disco o alinhamento faz tanto sentido que nos mexe com os sentidos.

“Lo que no esperabas” é que a guitarra acústica te pudesse fechar tão bem um disco.

Mas desengane-se quem começar a ouvir este tema e achar que não vai aparecer um saxofone a mexer-te com as entranhas. Mexe. E mexe no bom sentido. Não é dado adquirido que se mantenha o equilíbrio constante fechado em casa e este tema é isso mesmo.


Quatro músicos.

Quatro abordagens.

Quatro sítios diferentes.

Quatro.


Um disco que se ouve atentamente, que mexe com as emoções de quem se encontra em isolamento. Que traz agarrado a si a palavra saudade. Que faz com que a esperança de voltarmos a estar juntos vá e volte em cadências distintas.

Que disco! E que vontade de ver exatamente este alinhamento, mas ao vivo. Todos na mesma sala.


Ficha Técnica


HERNÂNI FAUSTINO | Contrabaixo, Violoncelo & Kalimba | Bass, Cello & Kalimba

JOÃO SOUSA | Bansuri, Flauta de harmónicos, Sitar, Djembe, Taças, Feng Gong, Shruti e Voz | Bansuri, Overtone Flute, Sitar, Djembe, Singing Bowls, Feng Gong, Shruti and Vocals

JORGE NUNO | Guitarra acústica | Acoustic Guitar

JOSÉ LENCASTRE | Saxofones Alto e Tenor, Percussão e Voz | Tenor and Alto Saxophones, Percussion and Vocals


🎛️Mixed and Masterd on March and April 2020 by João Sousa, Arruda dos Vinhos

⏺️Instruments recorded by the musicians with Phones, portable recorders or other on March 2020

🖌️Artwork by Ana Calinhos (Cali Made This)www.instagram.com/cali.made.this/

📷Photos by Hernâni Faustinowww.instagram.com/hernanifaustino/

[Each track has its own cover photo][Cada música tem uma foto como capa]


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