Para quem acompanha o que o Afonso Cruz escreve, rapidamente compreenderá a essência deste livro.
A ilustração da capa (e conheço algumas das interpretações dadas por alguns conhecidos meus) é o meu ponto de partida. Para mim é representativa das memórias e vivências do passado, da reflexão sobre o presente e os olhos postos no que o futuro nos poderá reservar. Assim nascem as histórias. Continuo sem saber se terá sido esse o intuito do autor (e já o ouvi falar sobre este livro em pelo menos 3 circunstâncias), mas esta é a minha interpretação. Talvez daqui a uns anos olhe para esta capa e veja algo totalmente diferente. Veremos.
Antes de passar ao conteúdo existem outras duas coisas que me agarram a este livro: as cores e o cheiro do papel. Sim, para mim estes são dois dos pontos (além do conteúdo e do gosto que tenho pela leitura) que alimentam o meu vício dos livros.
Gosto da cor, mas gosto particularmente do cheiro dos livros. Os novos têm o cheiro peculiar do papel atual, do tipo de impressão, da colagem. Os velhos têm o papel usado, folheado, o cheiro por vezes a bafio. Acho que O vício dos livros será um daqueles livros que irá envelhecer bem. Não sei se quem me lê compreenderá o que quero dizer com isto de um livro envelhecer bem, mas em poucas palavras é o mesmo que se passa com qualquer um de nós. Ficamos velhos, ganhamos um determinado cheiro característico da idade, somos caixinhas de histórias. Assim são os livros e este ao envelhecer manterá intactas as histórias de quem se cruzou, em determinado espaço e tempo, com o Afonso, e apenas mudará o cheiro que o leitor dá a essas histórias. Neste momento o cheiro que lhe dou é novo e fresco.
Se a escrita reflete o seu escritor, o Afonso tem tanto de simples como de complexo. A forma aparentemente simples com que escreve este livro é, na verdade, de uma grande complexidade. O difícil é fazer parecer que se escreve com uma perna às costas, quando se tivermos um pouco de atenção percebemos a quantidade de reflexões e conhecimento que dão vida a cada história. Agarra-nos e quando damos por ela terminámos o livro.
Existe um ponto que faz com que o Afonso me faça ficar agarrada à leitura deste livro: o sentido de humor. Quando lemos e vamos rindo e sorrindo sabemos que um dos exercícios mais difíceis de escrita foi conseguido — passar para o papel o sentido de humor.
O Afonso Cruz viaja, conhece, lê, escreve, observa e absorve. No fim apresenta-nos, de forma deliciosa, as histórias que experienciou.
O vício dos livros é, também, para quem não tem o vício dos livros. É um livro que apresenta à pessoa que não tem tempo para ler os mundos que perde ao não ler. Logo é um livro que mesmo a pessoa que não tem tempo para ler deverá ler. A leitura é rápida e não precisa de muito tempo para o fazer. Basta que quando se estica no sofá não ligue a televisão e utilize duas horas do seu tempo a vislumbrar o que um livro lhe pode trazer: ligações, relações, histórias, paixões e saber.
"Um poeta, quando escreve um poema e levanta a folha onde o escreveu, descobre uma infindável pilha de poemas onde foi escrita toda a poesia que precedeu o seu poema, e ao pousar essa mesma folha verá que já contém o peso de incontáveis poemas escritos sobre aquele que acabou de escrever".
Este livro "bateu-me". Talvez porque avivou algumas das minhas memórias, histórias e até fragilidades. A voz que acompanha cada texto é diferente na minha cabeça. É a voz que dou às pessoas com que o Afonso Cruz se cruzou. Imagino-as e ele nem sequer as descreve em profundidade.
Mas, imagino-as.
Na verdade considero que o Afonso Cruz é viciado em sítios, pessoas, paisagens, cheiros, sons. E é isso que nos vicia nos livros.
O vício dos livros não são apenas histórias de vida do Afonso Cruz, são também factos sobre a literatura e as reflexões do autor sobre esses factos. São disso exemplo: "O poeta que foi assassinado pelos próprios livros" e "Bibliotecas". Além de viajarmos, aprendemos.
Sim, é um dos livros que irei reler quando o papel já tiver aquele cheiro característico da idade. Mais um para o meu vício.
Nota: nesta altura interrogo-me (coisa que me acontece sempre que escrevo sobre música e livros) se a minha interpretação do que li e/ou ouvi vai ao encontro da intenção do autor. Na verdade esta nota não acrescenta nada, mas gosto de pensar nisto.
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