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Foto do escritorMargarida Azevedo

Ikizukuri e Susana Santos Silva | Jazz em Agosto

Atualizado: 4 de ago. de 2021


Vera Marmelo – Gulbenkian Música



A primeira vez que escrevi sobre Ikizukuri foi em novembro de 2018. Tinha acabado de sair a K7 Hexum, pela editora Zona Watusa. Era fácil perceber que tinha ficado fã de Ikizukuri. A sua sonoridade era a minha onda. Na altura terminaria a minha review assim : “Os Ikizukuri com o seu Hexum vão devorar-te os ouvidos e deixar-te com uma tremenda vontade de ouvi-los ao vivo.

Curto, intenso e que nos tira o fôlego. Que mais se pode pedir?”.

Em dezembro desse mesmo ano deram 4 concertos em Portugal. Se bem me recordo, falhei todos.

Não podia falhar outra vez.


Passados 3 anos, em 2021, o Gonçalo convidou-me para escrever as liner notes do disco ─ que ontem era o mote do concerto no Jazz em Agosto. A minha resposta foi imediata. Não era preciso pensar muito sobre se aceitaria escrever as liner notes de um disco a que aos Ikizukuri se juntava a Susana Santos Silva (que no Out.Fest deste ano deu um concerto muito bom e sobre o qual escrevi).


Recebi o disco, editado pela Multikulti, e ouvi-o de rajada. Fiquei rendida e o que escrevi saiu de jorro (sinal que foi sem dor que o fiz).


Ontem sentava-me no auditório da Gulbenkian com as expetativas muito elevadas. Decidira não levar caderno. Não escreveria sobre o concerto, tal como não fiz review do disco. Pensava que não fazia sentido se tinha escrito as liner notes. Achava que não seria muito correto da minha parte fazê-lo. Pensava, mas já não penso. Achava, mas já não acho.


Ontem assisti a um concerto impactante. Tinha uma caneta e remexi na mala em busca de uma folha. Um talão de compras tornaria-se o melhor aliado da minha memória. Afinal não resistiria a escrever. Escreverei no presente, como se ainda lá estivesse e utilizarei apenas o nome próprio de cada um, sem apelidos, sem formalidades.


Abre-se o pano de fundo e as árvores agitadas pelo vento tornam-se a tela do concerto. Nenhum VJ do mundo faria um trabalho melhor que este ─ este é o meu pensamento. A vida que se agita lá fora enquanto os Ikizukuri e a Susana se preparam para começar.

Sinto-me pequenina, sentada na fila da frente. O palco é grande, o cenário avassalador e os músicos estão alinhados na perfeição. As máscaras mantêm-se na cara do Gonçalo e do Gustavo.

Começam. Os pássaros lá atrás voam num corrupio entre a luz e o vento, as copas das árvores agitam-se descontroladamente. Os Ikizukuri e a Susana começam a guiar-nos para um ambiente cada vez mais pesado, mais intenso, e o caos da tela natural acompanha-os. Eles não sabem que atrás deles têm um filme a decorrer que ilustra na perfeição cada som, cada nota, cada grito que sai da bateria do Gustavo, do baixo elétrico do Gonçalo, do trompete da Susana e do saxofone do Julius.

Vamos para o segundo tema e percebo que está a ser bom. Como? Tenho dores na prótese que tenho na cervical ─ sinal que estou em semi headbanging.

Os ambientes sonoros são incríveis. As máscaras saem das caras do Gonçalo e do Gustavo. Finalmente. Começam a estar mais soltos. Continuamos. Olho em volta e não consigo decifrar o que vai na alma de quem está sentado do meu lado direito. Decifro pelo bater do pé do senhor do meu lado esquerdo que também ele começa a soltar-se.

Não sei quanto tempo passou. Recuso-me a olhar para o relógio, O Gonçalo roça o braço do baixo pelo chão, o seu corpo deixa-se comandar pelo lado mais dark do momento, o Gustavo troca breves olhares cúmplices com ele, a Susana traz para aquele momento a sua subtileza e agressividade (cada vez me apaixono mais pela sua sonoridade) e o Julius continua genialmente a puxar pelo saxofone.

Escrevo no meu talão: “nem só de estrangeiros vive o jazz”. Damos demasiado valor aos nomes internacionais, quando os músicos portugueses são criativos e excelentes tecnicamente.

Anoiteceu e o cenário lá fora está mesmo ao estilo do que se ouve cá dentro.

Volto ao talão para escrever: “arritmias”. As arritmias são mesmo minhas e não deles. O meu coração está arritmado, acelerado e quando isso acontece num concerto é bom sinal. Desarmam-me, fazem-me respirar fundo e verificar as pulsações.

Os aplausos anunciam que estamos a terminar. O Gonçalo agradece. Eu recomponho o meu sistema cardiovascular. Ikizukuri mexe-me com as entranhas.


Ponto final.

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