Fotografias de Maria Santos e Rui Baião
Impermanence
Poucas palavras. Na verdade, não são precisas.
No Anfiteatro Paz & Amizade corre uma brisa fresca enquanto a Susana Santos Silva entra em cena e nos dirige poucas palavras. Na verdade, não são precisas. “Há muito tempo que não tocávamos assim com público”. Olho em redor e são muitos os rostos tapados com máscaras. Muitos. Isso é o mais importante. Desconfinamos com cuidado. Com distância e de máscara colocada. E a cultura acontece naquele anfiteatro. Com tanto tempo distante destas andanças sinto que desaprendi a estar focada num concerto ao vivo, sem fones, sem um ecrã, sem pensar em ir só ali pôr roupa a lavar ou tratar do jantar.
Há muito tempo que não via um concerto. Há muito tempo que não escrevia no calor do momento. O último disco do quinteto, editado pela Porta-Jazz, foi meio caminho andado para que as expectativas estivesse elevadas.
Trompete, saxofone, bateria, baixo e teclas.
Auditório composto.
E a Susana. Acompanho o seu percurso e o salto e evolução são enormes. Respeito.
Quando dou por mim já estamos nos aplausos e prontos para entrar no segundo tema. Entro num bar boémio e decadente. Um fim de tarde de primavera com uma brisa demasiado fresca. O som vai-me guiando. Uma pessoa de cada lado. Troco olhares com alguns dos que me rodeiam. Um som uníssono que me entra pelos ouvidos. O baixo elétrico que, tão bem, destabiliza o momento. A bateria que se mantém no silêncio. O helicóptero que decide passar e tornar-se o sexto elemento por breves momentos e se funde com os teclados.
Assim entramos no terceiro tema.
Dou por mim no meio de um filme tipo Gato Preto, Gato Branco, do Kusturica, ou Feios, Porcos e Maus, de Ettore Scola. Nesta altura do concerto o Torbjörn Zetterberg torna-se o centro do filme.
Continuo esta viagem e não me apercebo de quantos temas passaram. Começa uma malha mais pesada, um ambiente soturno. Perco-me no tempo outra vez. Continuo a viajar.
Aplausos finais. Quando os concertos são bons perdes a noção do tempo. A quem não foi fica a dica: os discos de Impermanence também vos farão viajar.
Fotografias de Maria Santos e Rui Baião
Rafael Toral Space Quartet
Anoiteceu e entrei no Auditório. Há algum tempo, mais precisamente em 2019, escrevi uma review a um dos discos do Rafael Toral. Admiro-o, respeito-o e sou fascinada pelo o que desenvolve.
Auditório, máscara e máquina de fumos: tudo uma questão de hábito (trabalharei para que me consiga acostumar).
Acho que é a primeira vez que vejo o Nuno Torres ao vivo (devia ter vergonha de assumir isto), o Nuno Morão delicia-me na bateria e quem acaba por me surpreender ao longo do concerto é o Hugo Antunes (contrabaixo). Talvez por sentir que todos estão contidos à exceção dele. Talvez porque não esperava este registo do Hugo. Também eu tenho ideias pré-concebidas (quem diria).
A presença do Rafael Toral é inconfundível. O seu set de material, a forma como se movimenta em palco, as suas expressões. Sinto a falta de um momento de loucura, de libertação total, de explosão. Porquê? Não sei. Apenas espero que esse momento aconteça. O concerto cresce, a sua dinâmica intensifica-se, mas não explode. E não tem nada de mal. Considero ser uma necessidade minha ao fim de tanto tempo confinada ─ rebentar.
O Rafael tem a capacidade de nos levar para outros universos e o Nuno Torres vai desbravando pequenos caminhos onde, juntos, se complementam.
Acabou depressa, como tudo o que é bom.
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